Nos últimos anos, uma árvore indiana se tornou uma das principais aliadas no cultivo de produtos orgânicos no Brasil. Estamos falando do nim. Suas folhas e frutos servem para controlar pragas da lavoura e parasitas do gado.
E têm sido cada vez mais usadas pelos agricultores, como mostra a reportagem do César Dassie. Folhas estreitas, flores delicadas, bom de sombra. À primeira vista, o nim parece uma árvore como outra qualquer, mas essa espécie exótica, trazida do Oriente, chama a atenção pela variedade de usos que oferece.
Das folhas e dos frutos do nim são extraídos os mais variados produtos.
De uso cosmético, por exemplo, já é possível encontrar shampoos, cremes hidratantes, sabonetes. Nas áreas agronômica e veterinária, o nim entra no controle de pragas e doenças. E quando o plantio é voltado para obtenção da madeira, ele pode ter um acabamento interessante na fabricação de móveis.
Globo Rural: Dr. Belmiro, por que o nim é tão versátil assim? Belmiro Pereira das Neves, agrônomo da Embrapa: Isso se deve à presença de 160 substâncias presentes nas mais variadas partes da planta.
Globo Rural: Por exemplo, no shampoo ele vai servir para quê? Belmiro: No shampoo ele vai atuar como um tônico capilar nos cabelos do indivíduo.
Globo Rural: E pasta de dente? Belmiro: Trata-se de um produto já industrializado, que tem efeito bactericida. Então vai ser um preventivo para a cárie dentária.
Globo Rural: No sabonete? Belmiro: No sabonete já tem uma função dermatológica, no tratamento, por exemplo, de micoses, sarna, todos esses problemas que causam na pele do indivíduo.
Globo Rural: Na área veterinária, animal? Belmiro: Na área animal nós utizamos muito a folha moída como carrapatida.
Globo Rural: Ea área agronômica? Belmiro: Na área agronômica, aí, tem outras utilidades. Por exemplo: o óleo resultante da prensagem das sementes é utilizado como inseticida. E a torta resultante dessa prensagem é um excelente adubo em substituição do nitrogênio aplicado no solo.
O nim chegou ao Brasil no começo dos anos 90. Uma árvore que tem grande importância para o povo do seu país de origem - a Índia. E foi justamente um indiano que, em 1997, apresentou o nim para o Globo Rural. "Essa árvore é conhecida da Índia há cinco mil anos e a vida útil média é em torno de 200 anos". Na mesma reportagem, também foi entrevistado o doutor Belmiro Pereira das Neves, da Embrapa Arroz e Feijão, que nessa época já pesquisava o nim nos solos e climas do Brasil.
E até hoje ele mantém seu interesse por essa árvore. "Na Índia, duas coisas são consideradas sagradas para aquele povo: o gado e o nim indiano.
Já é uma coisa milenar. Até o próprio Gandhi já utilizava em suas refeições folhas do nim em forma de salada”. O bosque da Embrapa que serve como pesquisa tem pouco mais de 400 árvores. O bom desenvolvimento das plantas só não resistiu a um grande problema: as formigas. Belmiro: O problema mais sério dessa planta é o ataque de saúvas, são as formigas cortadeiras. Corta e chega a despelar toda a planta.
Globo Rural: E como fazer para controlá-las? Belmiro: Atualmente se usam as iscas para o controle dessa praga. Isca convencional.
Globo Rural: Mas o nim é muitas vezes utilizado em produção orgânica. O fato de se colocar uma convencional, química, numa lavoura de nim não prejudica essa cadeia? Belmiro: Prejudica porque na produção orgânica subentende não pode ter aplicação de produtos químicos. É um desafio hoje para a pesquisa, para a comunidade científica, a obtenção de um produto que seja natural para a questão do controle dessas formigas. Desde que o nim chegou por aqui, o doutor Belmiro acompanha o interesse do agricultor brasileiro por essa árvore cada vez mais plantada nos sítios e fazendas.
Globo Rural: Quantas árvores de nim existem no Brasil? Belmiro: No Brasil, hoje, nós já estamos numa margem de seis milhões.
Globo Rural: Na avaliação do senhor, o Brasil pode chegar a ter quantas árvores? Belmiro: Nós podemos até ultrapassar a própria Índia, assim como aconteceu com o gado zebu, que nós importamos de lá e hoje nós temos um plantel significativo.
Globo Rural: Então a gente vai produzir nim igual a gente produz boi. Belmiro: Exatamente. A substância mais importante do nim é a azadiractina, presente, inclusive, no nome científico da planta: azadirachta indica. Graças a azadiractina, o nim é capaz de controlar mais de 400 pragas em culturas como algodão, milho, arroz. E nos mais diferentes Estados do Brasil. Estamos no norte do Espírito Santo, município de Linhares. Com uma produção de 15 mil toneladas de mamão por ano, uma fazenda utiliza o óleo de nim para controlar as duas principais pragas da lavoura: a cochonilha e o ácaro rajado. Um cuidado que se estende para mais de um milhão de pés. O ácaro rajado, por exemplo, ataca o pé por inteiro e deixa o fruto sem valor comercial. O técnico agrícola Francisco Faleiro é o diretor da propriedade, que usa nim há nove anos.
"De cara ele promoveu um bom controle numa incidência de insetos que nós tínhamos na lavoura. E com a utilização dele de forma regular houve uma redução grande da incidência desses insetos".
Globo Rural: É mais barato utilizar o nim? Francisco: Hoje, se você comparar um produto químico com o nim, ele vai estar aí na faixa de 20% acima do preço do produto químico. Globo Rural: Por que utilizar, então, o nim? Francisco: A gente acaba tendo um benefício lá na frente. Você minimiza ou elimina o risco de ter resíduo de produtos químicos na sua fruta no mercado. Do Espírito Santo para São Paulo, município de Indaiatuba. Por aqui, uma das culturas mais suscetíveis a pragas. O uso do nim no sítio Catavento é parte de um pacote tecnológico que o produtor Fernando Ataliba estabeleceu para suas lavouras.
Quem planta tomate, por exemplo, sabe que não é uma tarefa fácil conseguir uma área sadia, sem uso de veneno.
Globo Rural: Lavoura de tomate geralmente usa bastante agrotóxico, não é? Fernando: Essa foi a fama que a agricultura convencional conquistou para o tomate.
Globo Rural: O nim entra para controlar o quê? Fernando: Desde larvas, lagartas, besouros, pulgões, grilos, gafanhotos, entre outros insetos. E são quatro mil pés de tomate tratados com nim, e que produzem 60 mil quilos por hectare. "O nim só vai ser necessário se houver algum desequilíbrio. Ele não é milagroso. É importante que se diga isso", reforça Fernando. Toda produção do sítio Catavento é orgânica. E não só o tomate é tratado com o nim.
Hoje, para controlar percevejos, é a lavoura de feijão que está sendo pulverizada com o óleo. Globo Rural: Interessante essa engenhoca que você usa para aplicar o nim na lavoura. É uma mistura de carrinho-de-mão, bicicleta... Renato Rodrigues de Oliveira, trabalhador rural: Bicicleta com a máquina de costa.
Globo Rural: Tem hora certa para fazer essa aplicação de nim? Renato: Tem. Sempre é melhor de manhã ou no final da tarde.
Globo Rural: Ah é? Por quê? Renato: Porque senão ele estraga os pés da lavoura. Pode queimar. De São Paulo para Minas Gerais, município de Jequitinhonha. Por aqui, a rotina do peão Nicodemos de Souza mudou desde que o gado passou a receber folhas secas de nim trituradas junto com o sal mineral.
Globo Rural: O gado gosta de comer o nim com sal? Nicodemos: Gosta. Gosta de comer.
Globo Rural: E qual é a mistura que o senhor usa? Quanto de sal para quanto de nim? Nicodemos: Eu ponho 30 quilos de sal e um quilo do nim. Aí eu faço a mistura. Senhor Gilmar Santana é gerente geral da fazenda que pertence a um grupo de empresários que têm propriedades em Minas Gerais e na Bahia. No total, mais de seis mil animais consomem nim no cocho, junto com o sal mineral.
Globo Rural: Para controlar o quê, Gilmar? Gilmar: Principalmente a mosca do chifre. Tinha muito problema com a mosca, tanto que os animais deixavam de ganhar uma arroba/mês ao que ganham hoje orque a mosca não deixa os animais quietos.
Globo Rural: E os animais estão bem calmos? Gilmar: Calmos, comendo sal normalmente, tranqüilo, dóceis.
Globo Rural: E antes do nim vocês usavam o quê? Gilmar: Colocávamos o brinco. Mas o brinco para a mosca tem a durabilidade de seis meses. No entanto, você tem que levar o animal para o curral, você tem que furar a orelha do animal para colocar os brincos e deixa de ganhar alguma coisa, algum peso, porque o animal fica, de certa forma, estressado. A eficácia do nim sobre a mosca do chifre funciona assim: o animal come o nim, que, por sua vez, vai parar nas fezes, justamente onde a mosca do chifre põe seus ovos. Ao entrar em contato com o princípio ativo do nim, a larva da mosca não se desenvolve e infestação diminui. Segundo a Embrapa, o nim também vem sendo usado no controle de carrapatos e como vermífugo em ovinos.
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