segunda-feira, 26 de outubro de 2009

REPORTAGEM NEEM GLOBO RURAL


Nos últimos anos, uma árvore indiana se tornou uma das principais aliadas no cultivo de produtos orgânicos no Brasil. Estamos falando do nim. Suas folhas e frutos servem para controlar pragas da lavoura e parasitas do gado.
E têm sido cada vez mais usadas pelos agricultores, como mostra a reportagem do César Dassie. Folhas estreitas, flores delicadas, bom de sombra. À primeira vista, o nim parece uma árvore como outra qualquer, mas essa espécie exótica, trazida do Oriente, chama a atenção pela variedade de usos que oferece.
Das folhas e dos frutos do nim são extraídos os mais variados produtos.
De uso cosmético, por exemplo, já é possível encontrar shampoos, cremes hidratantes, sabonetes. Nas áreas agronômica e veterinária, o nim entra no controle de pragas e doenças. E quando o plantio é voltado para obtenção da madeira, ele pode ter um acabamento interessante na fabricação de móveis.
Globo Rural: Dr. Belmiro, por que o nim é tão versátil assim? Belmiro Pereira das Neves, agrônomo da Embrapa: Isso se deve à presença de 160 substâncias presentes nas mais variadas partes da planta.
Globo Rural: Por exemplo, no shampoo ele vai servir para quê? Belmiro: No shampoo ele vai atuar como um tônico capilar nos cabelos do indivíduo.
Globo Rural: E pasta de dente? Belmiro: Trata-se de um produto já industrializado, que tem efeito bactericida. Então vai ser um preventivo para a cárie dentária.
Globo Rural: No sabonete? Belmiro: No sabonete já tem uma função dermatológica, no tratamento, por exemplo, de micoses, sarna, todos esses problemas que causam na pele do indivíduo.
Globo Rural: Na área veterinária, animal? Belmiro: Na área animal nós utizamos muito a folha moída como carrapatida.
Globo Rural: Ea área agronômica? Belmiro: Na área agronômica, aí, tem outras utilidades. Por exemplo: o óleo resultante da prensagem das sementes é utilizado como inseticida. E a torta resultante dessa prensagem é um excelente adubo em substituição do nitrogênio aplicado no solo.
O nim chegou ao Brasil no começo dos anos 90. Uma árvore que tem grande importância para o povo do seu país de origem - a Índia. E foi justamente um indiano que, em 1997, apresentou o nim para o Globo Rural. "Essa árvore é conhecida da Índia há cinco mil anos e a vida útil média é em torno de 200 anos". Na mesma reportagem, também foi entrevistado o doutor Belmiro Pereira das Neves, da Embrapa Arroz e Feijão, que nessa época já pesquisava o nim nos solos e climas do Brasil.
E até hoje ele mantém seu interesse por essa árvore. "Na Índia, duas coisas são consideradas sagradas para aquele povo: o gado e o nim indiano.
Já é uma coisa milenar. Até o próprio Gandhi já utilizava em suas refeições folhas do nim em forma de salada”. O bosque da Embrapa que serve como pesquisa tem pouco mais de 400 árvores. O bom desenvolvimento das plantas só não resistiu a um grande problema: as formigas. Belmiro: O problema mais sério dessa planta é o ataque de saúvas, são as formigas cortadeiras. Corta e chega a despelar toda a planta.
Globo Rural: E como fazer para controlá-las? Belmiro: Atualmente se usam as iscas para o controle dessa praga. Isca convencional.
Globo Rural: Mas o nim é muitas vezes utilizado em produção orgânica. O fato de se colocar uma convencional, química, numa lavoura de nim não prejudica essa cadeia? Belmiro: Prejudica porque na produção orgânica subentende não pode ter aplicação de produtos químicos. É um desafio hoje para a pesquisa, para a comunidade científica, a obtenção de um produto que seja natural para a questão do controle dessas formigas. Desde que o nim chegou por aqui, o doutor Belmiro acompanha o interesse do agricultor brasileiro por essa árvore cada vez mais plantada nos sítios e fazendas.
Globo Rural: Quantas árvores de nim existem no Brasil? Belmiro: No Brasil, hoje, nós já estamos numa margem de seis milhões.
Globo Rural: Na avaliação do senhor, o Brasil pode chegar a ter quantas árvores? Belmiro: Nós podemos até ultrapassar a própria Índia, assim como aconteceu com o gado zebu, que nós importamos de lá e hoje nós temos um plantel significativo.
Globo Rural: Então a gente vai produzir nim igual a gente produz boi. Belmiro: Exatamente. A substância mais importante do nim é a azadiractina, presente, inclusive, no nome científico da planta: azadirachta indica. Graças a azadiractina, o nim é capaz de controlar mais de 400 pragas em culturas como algodão, milho, arroz. E nos mais diferentes Estados do Brasil. Estamos no norte do Espírito Santo, município de Linhares. Com uma produção de 15 mil toneladas de mamão por ano, uma fazenda utiliza o óleo de nim para controlar as duas principais pragas da lavoura: a cochonilha e o ácaro rajado. Um cuidado que se estende para mais de um milhão de pés. O ácaro rajado, por exemplo, ataca o pé por inteiro e deixa o fruto sem valor comercial. O técnico agrícola Francisco Faleiro é o diretor da propriedade, que usa nim há nove anos.
"De cara ele promoveu um bom controle numa incidência de insetos que nós tínhamos na lavoura. E com a utilização dele de forma regular houve uma redução grande da incidência desses insetos".
Globo Rural: É mais barato utilizar o nim? Francisco: Hoje, se você comparar um produto químico com o nim, ele vai estar aí na faixa de 20% acima do preço do produto químico. Globo Rural: Por que utilizar, então, o nim? Francisco: A gente acaba tendo um benefício lá na frente. Você minimiza ou elimina o risco de ter resíduo de produtos químicos na sua fruta no mercado. Do Espírito Santo para São Paulo, município de Indaiatuba. Por aqui, uma das culturas mais suscetíveis a pragas. O uso do nim no sítio Catavento é parte de um pacote tecnológico que o produtor Fernando Ataliba estabeleceu para suas lavouras.
Quem planta tomate, por exemplo, sabe que não é uma tarefa fácil conseguir uma área sadia, sem uso de veneno.
Globo Rural: Lavoura de tomate geralmente usa bastante agrotóxico, não é? Fernando: Essa foi a fama que a agricultura convencional conquistou para o tomate.
Globo Rural: O nim entra para controlar o quê? Fernando: Desde larvas, lagartas, besouros, pulgões, grilos, gafanhotos, entre outros insetos. E são quatro mil pés de tomate tratados com nim, e que produzem 60 mil quilos por hectare. "O nim só vai ser necessário se houver algum desequilíbrio. Ele não é milagroso. É importante que se diga isso", reforça Fernando. Toda produção do sítio Catavento é orgânica. E não só o tomate é tratado com o nim.
Hoje, para controlar percevejos, é a lavoura de feijão que está sendo pulverizada com o óleo. Globo Rural: Interessante essa engenhoca que você usa para aplicar o nim na lavoura. É uma mistura de carrinho-de-mão, bicicleta... Renato Rodrigues de Oliveira, trabalhador rural: Bicicleta com a máquina de costa.
Globo Rural: Tem hora certa para fazer essa aplicação de nim? Renato: Tem. Sempre é melhor de manhã ou no final da tarde.
Globo Rural: Ah é? Por quê? Renato: Porque senão ele estraga os pés da lavoura. Pode queimar. De São Paulo para Minas Gerais, município de Jequitinhonha. Por aqui, a rotina do peão Nicodemos de Souza mudou desde que o gado passou a receber folhas secas de nim trituradas junto com o sal mineral.
Globo Rural: O gado gosta de comer o nim com sal? Nicodemos: Gosta. Gosta de comer.
Globo Rural: E qual é a mistura que o senhor usa? Quanto de sal para quanto de nim? Nicodemos: Eu ponho 30 quilos de sal e um quilo do nim. Aí eu faço a mistura. Senhor Gilmar Santana é gerente geral da fazenda que pertence a um grupo de empresários que têm propriedades em Minas Gerais e na Bahia. No total, mais de seis mil animais consomem nim no cocho, junto com o sal mineral.
Globo Rural: Para controlar o quê, Gilmar? Gilmar: Principalmente a mosca do chifre. Tinha muito problema com a mosca, tanto que os animais deixavam de ganhar uma arroba/mês ao que ganham hoje orque a mosca não deixa os animais quietos.
Globo Rural: E os animais estão bem calmos? Gilmar: Calmos, comendo sal normalmente, tranqüilo, dóceis.
Globo Rural: E antes do nim vocês usavam o quê? Gilmar: Colocávamos o brinco. Mas o brinco para a mosca tem a durabilidade de seis meses. No entanto, você tem que levar o animal para o curral, você tem que furar a orelha do animal para colocar os brincos e deixa de ganhar alguma coisa, algum peso, porque o animal fica, de certa forma, estressado. A eficácia do nim sobre a mosca do chifre funciona assim: o animal come o nim, que, por sua vez, vai parar nas fezes, justamente onde a mosca do chifre põe seus ovos. Ao entrar em contato com o princípio ativo do nim, a larva da mosca não se desenvolve e infestação diminui. Segundo a Embrapa, o nim também vem sendo usado no controle de carrapatos e como vermífugo em ovinos.

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